quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Cacho de Sonhos

Os galhos secos e abandonados retorciam-se em direção ao céu. Nenhuma folha, nenhuma flor; nenhum rastro de cor atrevia-se a pendurar-se nas ramificações da árvore de madeira trançada.
Não era bela, não era feliz. Atrevo-me a pensar - e não dizer - que nem mesmo viva ela era.
Em um galho mais comprido que punha-se de lado, e não na vertical como todos os outros, alguém há pares de anos pregou uma balança. O vento, vez que outra, fazia ranger as correntes que sangravam ferrugem sobre o gramado seco.
Ao lado da árvore, havia apenas um banco de madeira gasta e um relógio de ponteiros parados.
E era feio. Não só feio, como morto. E mesmo morto, eu ia até lá todas as tardes quando o Sol baixava. Se não, ia antes dele nascer. Ia lá porque lá não tem gente, não tem cheiro, não tem cor. Ia lá porque ficar lá me matava e me enxia de vida em uma estada só.
Eu gostava de lá, porque lá não tinha barulho de cidade, nem de carro, nem de rio. Só vez que outra as correntes rangiam para me ver chorar mais um pouco... Para sugar o néctar que minha alma tão nova - ainda que triste - guardava, e viver mais um pouco a árvore e matar mais um pouco a mim.
E eu ia lá todos os dias. Ia porque eu era escrava da árvore. Dos ponteiros quebrados que não me apressavam. Eu ia lá porque eu dependia do ranger das correntes daquela balança.
E a árvore estava sempre lá para mim. A árvore, o banco, o relógio que não apressa. Estavam lá para mim porque eles precisavam do néctar jovem da minha alma.
E a gente sobrevivia em um acordo que nunca havia sido tratado - em partes porque a árvore não falava, mas muito mais porque eu não falava.
Eu não me atrevia. Não dizia e nem nunca disse nada por lá. É que era tão belo, mesmo sendo tão feio. Tão... tão "não". Não Sol, não som, não ser.
E nunca mudou. Nunca havia mudado.
O dia não havia nascido. O ar estava carregado de brisa e a árvore me esperava cheia de vazio.
Meu corpo doía. Mas doía de dor boa. Doía da dor que a árvore se alimentava.
Mas eu não ia à árvore em busca de sobrevivência.
Me aproximei como nunca havia antes. Toquei sua madeira corroída com a ponta dos dedos. Ela sugou de meu corpo a seiva que me restava.
Fui até a balança e me sentei. A tábua que servia-me de assento envergou. Fiz dos meus pés impulsão e as correntes apertaram minha alma em um ruído incessante.
Quanto mais alto me balançava, mais apertadas as correntes prendiam meus pensamentos; mas a brisa... Ah, a brisa me libertava. E como podia? Me prender e me libertar em um mesmo movimento...
E suave ficaram os movimentos da balança. Ritmados. Mais lentos, mais lentos... Até que pararam. E em angustia se comprimiu meu corpo.
Voltei-me novamente a árvore.
Eu custava a andar agora.
Parece mais difícil de caminhar quando se está com o mundo todo sobre as costas...
Mas eu voltei a árvore pois não me restava alternativa outra que não esta. Ela e eu já éramos, naquele momento, duas partes de um mesmo corpo.
Envolvi o tronco mirrado com os braços e deixei que ele levasse de mim tudo o que lhe fosse necessário. Doei-lhe tudo que restava no meu corpo... A árvore merecia viver, mesmo que que abastecida com a bebida surte que corria em minhas veias.
Caí em joelhos.
Meus braços, agora pálidos e vazios, se aproximaram das raízes velhas.
Dois corpos secos e abandonados desfaleciam sobre a grama.
E as raízes envolveram meu corpo, fazendo de sua madeira rija meu berço por uma última vez.
Nossos corpos dependiam um do outro e se completavam; se alimentavam com a seiva que nos restava.
Mirando agora o céu; eu entendi sobre o que tudo se tratava.
Era um cacho de sonhos que nascia no galho mais alto de uma árvore solitária.
Era um cacho de sonhos, ali, exposto e aberto para quem quisesse provar um fruto.
Mas um fruto não haveria de bastar jamais...
Quem tomasse a decisão de provar um fruto do cacho de sonhos faria um pacto de sangue com a ferrugem da balança, e se comprometeria de uma vez por todas a passar o resto dos seus dias assim: vivendo um pouco a árvore e matando um pouco a si.
Mas lhe renderia um cacho de sonhos quando seus olhos se fechassem por uma última vez...
Um cacho de sonhos.

sábado, 20 de agosto de 2011

Guardadora de Sonhos

Corria pelos campos a procura de buracos onde pudesse cair. Buscava por teu País das Maravilhas pois se tudo mudasse talvez tudo houvesse de melhorar.
Não dormia a noite no aguardo de um sussurrar na sua janela. Esperava por tua Terra do Nunca pois se os relógios parassem de correr talvez houvesse mais tempo para eternizar seus momentos bons em voos. Acharia desenhos nas nuvens e tornaria-los reais.
E assim cresceu, em noites acordadas desejando as estrelas e em dias de grama molhada e pés descalços. Correndo pelos campos a procura de magia... Pois em um mundo de magia não existem acertos, não existem verdades... Em um mundo de magia nada seria o que parece, as histórias correriam e os sonhos se transformariam em poesia... As palavras à levariam a viajar em um passeio sem rumo e sem mapas.
Não dormia mas sonhava. A Lua não sorria para ela mas ela sorria para a Lua. E assim foi, cresceu. Atrás de rodopios e quedas. Cresceu.
Cresceu entre tropeços, entre repentes e descasos. Cresceu tropeçando, e de tanto tropeçar caiu no mundo. Cresceu como deu, espremida nos espaços que o mundo lhe abriu. Foi por dentro o que não foi por fora e foi por fora o que não coube dentro. Apanhou das palavras, apanhou dos seus medos. Apanhou de si mesma, vez que outra. Se comprimiu e chorou nas esquinas da vida quando as ruas ficaram escuras e suas estrelas não brilharam. Os anjos colocaram estrelas no seu teto quando a noite não tinha luar.
Foi, veio. Passou. Cresceu como deu, como foi.
Passou, cresceu.
Não dá pra voltar; mas se houvesse jeito, ela não voltaria.
Não viveu como Alice pois suas asas não lhe deixariam cair.
Não viveu como Peter Pan pois seus pés mantinham-se fixos no chão.
Viveu como foi, como deu.
Cresceu.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Pula


Vai, pula.
Fecha os olhos e pula. Infla o peito e pula.
Mas na noite anterior, não dorme. Vê o sol se pôr mais uma vez. Vê que até ele na magnitude da tua grandeza se põe. Mas vê que nos momentos mais negros, as estrelas sorriem. Vê que a lua brilha no escuro, vê que ela aparece e ilumina a tua noite. Vê. Vê a escuridão brilhar e ir embora. Vê o sol nascendo. Vê a escuridão se convertendo em luz e ouve os pássaros cantarem celebrando o fim da negritude. Vê a festa das nuvens e ouve o canto dos ventos.
Admira as folhas bailarem ao ritmo da manhã.
Vê o azul ingênuo do céu, vê o desenho das nuvens. Sorri para as copas das árvores. Vai; faz da tua janela um quadro.
Corre com os olhos por toda a paisagem, fecha os olhos com força e vê que não é sonho.
Deixe que a chuva escorra pelas tuas mãos. Se despe do que é banal. Deixe que as gotas apostem corrida na janela do teu quarto.
Toma um banho e deixa a sujeira da tua alma escorrer pelo ralo. Atravessa o vapor como se fosse concreto e se encara no espelho embaçado.
Encara o vazio e sorri para o nada.
Não ligue para o sol que já se esconde, pois a lua volta toda noite, a noite toda. Sorri para o horizonte de prédios que engole o sol. Deixa ele ir, tudo bem. Tudo tem hora certa. Quando ele voltar amanhã, certamente não será mais o mesmo. Então se despede.
Olha para a tua janela uma última vez e vem.
Vai, pula.
Sente a última brisa da tua vida te cortar o rosto.
Vai.
Vem.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Valsa dos Vagalumes

Já não se importava com a dor. Já não à sentia. O fogo fazia com que a madeira estalasse de acordo com o pulsar do seu coração. Sorriu ao ver sangrar sem doer, sem sentir, sem querer. Sem pedir, sem avisar. Viu escorrer em escarlate sua alma opaca. Seu coração pulsava dentro de sua cabeça. Sua cabeça pulsava. Tinha a respiração ofegante. O fogo e o vento travavam uma batalha desalmada e desarmada. Era tarde demais para sonhos e ela não queria dormir. Correu com os dedos ossudos as cicatrizes da sua tristeza. Estavam impressas na sua pele como chibatadas que lhe castigavam por não ser o bastante, por não ter o bastante.
Não queria ser salva.
Seus pés adormeceram, suas pernas, sua barriga. Sentia a ponta dos dedos formigarem e a cabeça pesar. Os efeitos da anestesia geral que a sua alma havia tomado começavam a brotar no seu corpo.
As vozes voavam na sua cabeça como vagalumes que dançam em uma noite sem luar.
Os lábios rachados pelo frio molhavam-se com as lágrimas da sua solitária palidez. As lágrimas escorriam pelas valas do seu rosto. Nas rugas esculpidas pela chuva, seu choro se desviava e se destraia. O rio que um dia fora calmo, agora corria caudaloso partindo de seus olhos cansados. Os afluentes do rio se dispersavam pela sua face, mantinham-se perdidos como os vagalumes que dançavam na sua mente.
As lágrimas corriam nos resquícios do que já foram sorrisos, do que já fora dúvida e incerteza.
O corpo adormecido lutava com a sua mente que a tempos estava acordada... E sua alma opaca lutava com a inconstância do seu corpo. Com a ausência de dor, de tristeza.
Na escuridão tumular de uma noite sem luar, escuta-se apenas o grito calado de uma alma que sente latejar o braço que já não tem... que nunca teve. Que dança sem par em uma noite de vagalumes.
Forçou seu corpo a erguer-se. Pois-se de pé sobre suas pernas trêmulas e fez-se andar. Seguiu em passos bambos em direção a lugar nenhum. Seguiu sem rota. Um pé na frente do outro, ensinou-se a caminhar como se nunca o tivesse feito antes.
Não sentia o sangue correr pela suas veias. Continuou caminhando. Subiu o primeiro degrau de uma escadaria. A cada passo que dava o caminho se estendia a sua frente.
Canalizou a incerteza, fez da desistência força e correu embaralhada no seu desespero. Os últimos raios de dia iam embora junto com os degraus que ainda se enfileiravam a sua frente. Agora, visando os últimos obstáculos de uma escada íngreme e circular, suas pernas corriam sem acompanhar seus pensamentos que seguiam o seu tempo próprio.
Fechou os olhos com força por medo de ver a onde chegara.
Ouviu suavemente a primeira batida de seu coração que a tempos não dava sinal de vida. Sentiu suas cicatrizes irem embora como se não pertencessem mais ao seu corpo; e suas lágrimas secarem como se estivessem sendo guardadas para quem as precisasse de fato.
Abriu os olhos; mas nada viu.
E então sentiu.
Depois de tanto tempo, sentiu. E seus lábios secos sorriram porque desejaram e não por ordem da sua mente. E seu corpo cansado e triste dançou. De olhos fechados e alma completa, fez-se dançar e fez-se sorrir. E sentiu tomar cor a alma opaca, e sentiu brilhar dentro de si uma valsa de vagalumes.
E sua alma virou salão e seus vagalumes valsaram sentidos. Não havia de ser felicidade ou tristeza. Para o que ela sentia não havia nome.
Era só o vazio sendo preenchido. Era apenas o sentimento de viver; não de existir.
Ela valsou com os vagalumes da sua alma.

terça-feira, 5 de julho de 2011

A Última Folha do Outono


A última folha do outono se prendia ao mais alto dos galhos como se não soubesse que uma hora teria que partir. O mundo girava firme como os ponteiros de um relógio, mas a folha seguia seu próprio tempo... E ela sorria para o inverno que a pouco chegara... Ela não queria ir embora. Ah, jamais iria. Ela se prenderia na mais bela das árvores e lá permaneceria para sempre.
Mas o mundo girava firme e o tempo da folha não importava.
Uma folha de outono não pertence ao inverno. Mas porque aquela folha, e só aquela, não podia ficar lá para sempre? Se chovesse ela dançaria nas gotas e se fizesse sol ela esquentaria-se em seus raios. Mas o mundo não deixava. Ah, por que o mundo tinha que girar tão firme, tão forte, tão inflexível ao tempo próprio das folhas de outono..?
Pois eis que um dia, houve de pousar na beirada da folha, uma borboleta de céu com a asa quebrada. A folha de outono fez-se aguentar firme pois sabia que a borboleta também estava vivendo em um tempo que não era dela. A folha de outono sabia que Deus jamais lhe daria peso que ela não podesse aguentar. E aguentou. Aguentou sorrindo o que muitos não aguentam chorando.
E quando a borboleta de céu fez-se inteira, abriu em estrelas para a folha fraca que lhe fitava com um sorriso. E a borboleta puxou o único filete de força que mantinha a folha de outono presa a árvore.
Com uma lágrima, a folha perguntou a borboleta porque ela havia de ter feito isso com ela.
E a borboleta, então, sussurrou-lhe ao pé do ouvido que as folhas de outono um dia hão de secar e cair ao chão, mas que por ter aguentado sorrindo, viraria uma estrela. As estrelas não caem, as estrelas não morrem. As estrelas brilham o ano inteiro, todo ano.
E viveu como uma estrela pois não fora destinada a ser folha. Viveu o ano inteiro pois jamais se limitaria a uma estação.
Viveu como estrela.

sábado, 25 de junho de 2011

Estante

As mãos alvas e ossudas envolviam o gargalo da garrafa como se pertencessem ao seu corpo.
Sua boca salivava e seus lábios de sangue lembravam do gosto que tinha o céu. O céu estava dentro de uma garrafa, ali, plantada firme como um salgueiro em frente ao corpo esguio da menina.
E ela almejava um único gole... Ah, se pudesse apenas sentir seu cheiro... Mas ela sabia que um gole nunca lhe bastava; mas ah... ela queria apenas uma gota... Mas uma gota não lhe bastava... Mas se ela pudesse tomar apenas um gole.
Mas ela resistia. Ah, ela guardaria a garrafa na estante; ah, ela deixaria que juntasse poeira...
Mas quando seus lábios provavam um gole do céu sua pele alva ganhava todas as cores do mundo... Ah, seu corpo ganhava vida, sua alma voava.
Mas ah... quando o céu descobria que haviam bebido um pouco dele, o corpo do pecador queimava de dentro para fora.
Ah, ela sabia o quanto o fogo ardia... Mas ah... o céu lhe enchia de cores.
Ah, ela jogaria a garrafa no mar... Deixaria o céu a deriva...
Ah, ficaria guardada em uma garrafa, ao lado do céu, em uma estante empoeirada e esquecida.
Ah... se esqueceria em uma estante.

sábado, 11 de junho de 2011

E se só restasse uma hora? O que você faria?

Everybody needs inspiration, my dear.

Você nunca está completamente bem. As coisas que você ama costumam se destacar, mas não se decepcione e não prometa nada, nunca. Se esqueça de voltar para a realidade... No começo, você simplesmente não vai entender, depois, não aceitar. Eu a lembrarei a todo instante que tiver esquecido... Para onde eu irei quando minha memória me trair?
As situações nos obrigam a escolher constantemente, isso é a vida exigindo de mim, de nós. Nem todos sonham em ser revolucionários, nem todos são rebeldes sem causa, mas todos que passarem por você vão deixar uma marca, seja ela boa ou ruim. Da noite para o dia.
Não chore, que não vale a pena. Mas se chorar também me chama, e tenha a certeza de um abraço que seja de um ombro amigo, não prometo te dar o melhor conselho, e nem te fazer a pessoa mais feliz do mundo, mas sempre vou fazer o possível, e até o impossível pra te ver sorrir. Sou eu quem sempre estará ao seu lado, esperando pela sua aprovação para rir. São as imperfeições que nos divertem.
Sinto falta de algo que nunca tive, sonho com coisas que nunca acontecerão. E talvez, tudo que eu precise, seja de um momento de ser o que é. Chamei por todos e só você veio. Me contou seus segredos, conheceu as minhas manias, me protegeu de meus medos.
Hoje acordei de manhã e só consegui pensar em uma coisa impossível: te esquecer.. Ei, você me influencia, eu sou totalmente dependente de você. Eu não queria tantas responsabilidades, tantas dificuldades, eu nunca pedi isso para ninguém, mas são pensamentos de um quase adulto contra os de uma simples criança.
É do jeito que é: uma loucura interior, que vai ser enquanto a vida permitir.
E se nós não podemos voltar no tempo e nem reviver momentos, por que não criamos novas lembranças? Eu sempre soube que esse momento chegaria, só não sabia que seria tão rápido. Afinal, é o que já aconteceu com você, que te fez o que você é, certo? Até quando não percebeu, seus erros te tornaram real, seus medos te tornaram humano.
A felicidade alheia me alegra, mas hoje eu tenho uma má notícia. O amor não pode salvar vidas, não sempre, não hoje.
Os olhares desiludidos pelas mágoas da vida machucam tanto quanto os outros. Os sentimentos ficam em forma de lágrima. Aquela única gota que deslizava pelo rosto triste, levava tudo aquilo que os ombros já não conseguiam carregar. Todos os choros que havia guardado, todos os abraços que já havia sentido falta. Não era o tempo e não era a distância que teríamos que enfrentar no futuro.. Era apenas certeza daquele abraço, daqueles instantes de segurança.
Instantes de segurança que morrendo dentro de mim, viviam com você. Vivendo a vida que eu achei que viveria, que eu achei que merecia.
Minha alma estava murcha, mas os galhos, mais coloridos. Queria um dia em que o que eu fizesse, não importasse no dia seguinte. Eu tenho muitas dúvidas sobre o mundo como ele é, e sobre as pessoas como elas são, pois aos que prezam por ter uma ideologia, uma identidade própria e personalidade, só resta viver dos resquícios de identidades passadas.
Raiva de mim que não tem ideia do que fazer a respeito.
Sinto inspiração por aqueles que já temeram, que já riram, que já cronometraram os segundos antes de mais um pedaço dessa história, mas eu já não tenho mais disposição para procurar por aqueles pelos quais vale apena ser o meu melhor.
E quando até o mais corajoso dos heróis se deu por vencido? É, triste pensar que mesmo que eu soubesse, não poderia ter mudado nada. É só que as vezes, ainda sinto isso em mim. A verdade é que eu quero os vícios e não as virtudes, quero os altos e baixos, quero as loucuras, quero os erros. Os nossos.
Olhos nos olhos, mesmo estando fechados. Os seus prateados de morte, os meus marejados de dor. Vi a liberdade. E ela sorriu para mim. Fechei os olhos novamente. Foi como adormecer. Sem dor, sem drama. Sem sonhos. Sem saídas. Preso e perdido no meu subconsciente.
Lá, um anjo quebrado atravessava o espaço. Deixava rastros de cores na imensidão negra do céu. Viveu como o mais belo dos anjos, um anjo sem rumo e sem asas. Bom voo, mas nunca o bastante. Havia prata comprimido na íris desse anjo. Eu me perdi tentando encontrá-lo. Me perdi nesses olhos de labirintos de espelhos. Um mais de céu, e um fixo na terra, seus olhos viajavam sem saír do lugar, sonhavam mesmo estando abertos.
Deixou seu corpo voar. Hora ferro, hora flor. Bateu suas asas sujas de sangue com a maior liberdade que o mundo já havia lhe dado... Planou no céu como uma borboleta feita de sangue, de espelhos, de suor e de lágrimas. O céu lhe sorriu ensolarado, porque, meu bem, eram tempos de borboletas...
Mas agora eu posso ver que o que eu escrevo mudou tudo. Mudou o meu tudo.
O anjo agora caminha sobre uma corda-bamba em direção ao amanhecer. O céu prateado lembrando que se caísse, não só estaria vivo, como completamente sozinho. Sozinho, valsando uma dança não ensaiada, se refugiando nos braços inexistentes de um parceiro... Valsando uma música nunca ouvida antes.

Neverland, 11 de Junho de 2011.


A cima, a homenagem mais bela, mais simples, mais querida e carinhosa que eu poderia esperar depois de um ano de blog... Você roubou as palavras de mim, me restou só um 'obrigada'.
Obrigada, Luísa Helena (que pode se considerar tão dona do meu blog quanto eu), por acreditar em mim quando nem eu acredito.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tempos de Borboletas

Fechou os olhos e estufou o peito. Deu o primeiro passo naquele labirinto e as portas se fecharam às suas costas. Se viu estampada em um espelho. Não se reconhecia mais. Seu reflexo não correspondia a realidade. Quando seus olhos de céu ficaram nublados? Quando seus cabelos de ouro perderam o brilho? Quem tirou-lhe o sorriso do rosto?
Forçou-se a sorrir. Não ganhou beleza seu reflexo. Seu sorriso pré-fabricado não valia mais. Um par de olheiras circundavam seus olhos de nuvem e uma gota de chuva escorrereu daquele céu triste. Correu-lhe pelo rosto lágrimas laminadas. Por que ninguém enxugava suas lágrimas?
O choro virou chuva e a garoa se transformou em tempestade. Mais do que a chuva, o mundo caia sobre os seus ombros naquele momento.
Paredes de espelhos prendiam-lhe em um labirinto.
Seu corpo estava preso em um labirinto de espelhos que a sua alma havia construído. Correntes lhe prendiam no chão. Seus punhos cerrados e seus dedos ossudos apertavam-se com uma força que doía no coração.
Tinha seu coração na palma das mãos e apertava-lhe, espremendo todos os sentimentos surtes que seu sangue guardava.
As paredes espelhadas escorriam em sangue, chuva e lágrimas.
Puxou as correntes. Sua força não era o bastante. Forçava seu corpo, mas as correntes lhe prendiam. O sangue escorria de seus punhos cerrados.
Fechou os olhos, fez da dor conforto, deixou que o vento secasse suas lágrimas.
Quebrou as correntes.
Correu sua liberdade pelas paredes de um labirinto.
Perdeu-se no seu reflexo de perfeição, no seu corpo magro, no reflexo dos seus olhos de céu nublado, de olhos que chovem. Perdeu-se no sangue e na chuva... Perdeu-se no choro e no suor...
Tropeçou nas suas inseguranças. Gritou no silêncio solitário de seus medos. Caligrafou com sangue nas paredes da sua prisão...
O céu chuvoso assusta quando se está sozinho... Por que ninguém lhe convidava para dançar? Queria dançar na chuva, mas não lhe pediam uma dança... Não lhe sussurravam uma melodia ao pé do ouvido para que valsassem.
Um céu de sorrisos é tão mais belo... Por que o céu não sorria mais para ela? Sua alma doía, e ela preferia que seu corpo doesse... Se pode estancar um sangramento quando isso vem de fora, mas e quando é a sua alma que sangra? Por que não lhe massageavam a alma? Sua alma chorava e escorriam suas palavras de sangue pelas paredes do labirinto.
Mas a dor não lhe confortava mais... Quis livrar-se do sangue, das lágrimas... Quis transformar o barulho da chuva em melodia, e dançaria sozinha... Desejou transformar o labirinto em passado.
Tentou em vão subir pelas paredes espelhadas da sua mente, mas seu esforço não era o bastante. Sangue, suor e lágrimas pingavam e castigavam o chão...
Deitou no chão gelado da sua silenciosa solidão. Teve sonhos tão belos... Desejou não acordar, mas o destino lhe traiu de novo.
Não abriu os olhos pois não queria se ver refletida nunca mais. Em um labirinto onde todos os seus obstáculos eram ela mesma, ela decidiu deixar-se guiar pelo seu corpo... Seguiu o cheiro das flores, o cheiro de mar... Ouviu a melodia doce de uma música nunca ouvida antes...
Apertou os olhos, e então, pulou.
Deixou seu corpo voar. Hora ferro, hora flor. Bateu suas asas de sangue com a maior liberdade que o mundo já havia lhe dado...
Planou no céu como uma borboleta de sangue, de espelhos, de suor e de lágrimas.
O céu lhe sorriu ensolarado, porque meu bem...
São tempos de borboletas.

domingo, 8 de maio de 2011

Um castanho, um azul


Seus olhos sorriam. Um castanho, um azul. No silêncio de um abraço chorado, de carinhos no cabelo. Seus dedos reprimiam minhas lágrimas. Eu encarava seus olhos. Um castanho, um azul.
Um sem rota, o outro o guiava. Um de céu, um fixo na terra. Seus olhos viajavam sem saír do lugar, sonhavam mesmo estando abertos.
Seus olhos me confortavam. Continham meu choro; seus olhos me abraçavam. Um castanho, um azul.
Seus olhos contaram a sua história. Nunca feche esse livro. Nunca feche seus olhos. Que histórias vão me fazer dormir quando os seus olhos se fecharem?
Não feche os olhos. Deixe que eles contem as suas histórias.
Seus olhos sorriam. Um castanho, um azul.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Felicidade Extraviada


Naqueles instantes de menta, de mente, de lábios selados, mentiras mal feitas, amores mal contados...
Amigos esquecidos, lábios selados.
Naqueles instantes de felicidade extraviada, deixada como um pacote inesperado na porta de casa.
Os lábios valsando uma dança não ensaiada, se refugiando nos braços inexperientes do parceiro... Valsando uma música nunca ouvida antes.
Olhos fechados, braços dados, valsando nos cabelos cacheados, encaracolados em um labirinto, perdidos, valsando, dançando, pedindo, implorando por uma saída.
Valsando nos caracóis do seu cabelo. Em uma estrada infinita... As mãos mergulhadas nos seus cachos.
Uma lágrima de amor no canto do rosto. Um amor de instantes, de lábios que valsam, que dançam, que se perdem nos seus cabelos.
Um instante de felicidade extraviada...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Labirinto de Espelhos


Nos teus olhos de labirintos de espelhos eu me perdi, e nos reflexos da tua alma eu vi a beleza dos teus pensamentos.
E eu vi o reflexo de teus prantos, de tuas dúvidas, das tuas paixões. Das tuas lágrimas prateadas.
Os teus olhos são de labirintos de espelhos, e por isso a facilidade de se perder neles. Fui de encontro a tua alma e me perdi nos teus olhos. Na floresta densa que se comprime na tua íris, eu me perdi tentando te encontrar; adentrei em uma aventura sem rumo e sem rota. Me confortei nos seus olhos cansados, corri pela floresta da tua íris.
Me perdi nos teus olhos de labirintos de espelhos.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Exército de Prata


Quebrou as correntes, quebrou os espelhos. Os olhos vermelhos, a fumaça no ar.
Ela era boa e sabia que era. Só que não o bastante. Ela aguentava muito, e sabia que aguentava. Só que não era o suficiente.
E chorava sem querer chorar quando a noite caía. E não conseguia fazer calar as vozes na sua mente.
A fumaça, os gritos, as correntes.
O perfume, as risadas, os carinhos.
Tinha medo de ir dormir por não saber o que lhe esperava ao acordar.
Sentia falta dos sonhos bons, amava o ódio que sentia pelo seu subconciente.
A fumaça, os gritos, as correntes.
Desejou calar as vozes pois cobiçava ouvir o soar dos sinos que anunciavam a chegada do exército de ouro. Mas ela era de prata.
Boa, mas nunca o bastante. As correntes, as risadas, os gritos, a chuva. Prata. Segundo lugar. Prata.
Pecava e sabia que pecava. Só queria deixar de ser um exército de prata.
O cheiro de final de estação, a fumaça, os gritos.
Um exército de prata comprimido na íris da menina.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Broken Angel


Planava no céu. Iluminava a noite. Passava como uma estrela cadente em meio a escuridão. Sorria para quem a admirava da Terra. Voava, e enquanto voava o vento cortava seu rosto e a adrenalina corria em suas veias. E quando se estendia no céu negro, refletia na lua o colorido do mais belo par de asas que qualquer um já havia visto.
A noite escureceu e as primeiras gotas começaram a cair do céu. Molharam suas asas, seu rosto, o castanho de seus cabelos.
Tropeçou em seus medos, e então, caiu. Foi puxada por uma força que desconhecia. Cruzou o céu em poucos instantes, e, enquanto despencava, quebrou suas asas. Um anjo quebrado atravessava o espaço. Deixava rastros de cores na imensidão negra do céu.
Atravessou a barreira da terra e confortou-se em um buraco escuro. Mesmo quebradas, suas asas atentavam a visão de muitos que passavam pela anja. E na solidão, o brilho de sua asa foi se convertendo em alma. E ganhou brilho os olhos, e ganhou brilho a mente, ao coração.
Perdeu o brilho das asas.
E o tempo passou, e não lhe chamaram mais. E não lhe deram apoio. E lhe deixaram abandonada a própria sorte.
Cresceu-lhe a alma, a bondade.
E um dia lhe foi estendida uma mão. Viram as cores em seus olhos e então, lhe estenderam a mão. Tiraram daquele negro buraco construído por ela mesma. Colocou-se de pé, depois de tanto tempo. Uma mão desconhecida lhe foi estendida, e ali se pois, de pé.
Converteu em alma o que eram suas asas.
Viveu como o mais belo dos anjos, um anjo sem rumo e sem asas.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Liberdade


Minha mãe sempre me disse que, quando eu e o meu irmão éramos pequenos e saíamos para passar uma noitada com os amigos, ela não entrava no nosso quarto. Ela dizia que não imaginava dor maior do que arrumar o quarto de um filho que já morreu. Que a nossa ausência a perturbava. Mesmo que isso não fosse preocupá-la a essa altura do campeonato, passei a tarde inteira tirando a tralha toda do meu quarto.
Joguei tudo fora, me livrei de tudo. Não quis que ninguém usasse aquele lixo de novo. Assim como meu corpo, as minhas lembranças morreriam naquele dia.
Senti as mãos ossudas de minha loucura envolverem meu pescoço, uma corda de ressentimentos me apertaram a alma, selando-se em um nó posicionado do lado esquerdo de meu pescoço.
Houvera muito tempo para que eu pensasse em quais palavras diria antes de morrer.
Ao vão de quatro paredes apenas o pulsar inquieto de meu coração era ouvido.
Subi em um banco de madeira, e na extremidade da corda contraria à amarrada no meu pescoço, dei um nó cego em uma estrutura metálica no teto. A resistência da estrutura já havia sido devidamente averiguada. Treinei a porra do nó por semanas.
Fechei os olhos, e então, pulei. Senti-me faltar o ar. Expirei cada problema e deixei que um clarão de possibilidades tomasse minha mente.
Ouvia a risada doce de minha falsidade sussurrada ao pé do meu ouvido.
Chacoalhei meu corpo na vã tentativa de afastá-la. Continuei sentindo sua respiração no meu cangote.
Lembrei das últimas palavras. Tanto tempo programando um discurso para mim mesmo. Faltou-me a memória; faltou-me a voz para gritar. Faltou-me o ar. Simplesmente abri a boca e deixei que as palavras se jogassem. Pude vê-las planarem no ar alguns instantes antes de se rebentarem no chão frio de concreto. Podia ver um filete de sangue escorrer das minhas palavras. Ficaram ali, estiradas. E eu fiquei a lhes observar. O tempo parecia ter parado naqueles instantes de falta de ar. Sentia dor.
Senti o corpo pesado de minha insegurança esmagar minhas víceras, tive o rosto espancado pelas minhas mentiras. A desilusão dilacerava minha alma.
É só que eu precisava de uma vitória depois de tantas derrotas. E para mim, finalmente escolher o meu destino era uma vitória. Perder minhas certezas era uma derrota. Perder minhas esperanças era uma derrota. Irônico pensar que para mim perder a minha vida seria uma vitória. Na verdade, perder meu corpo. Havia tempo que eu não estava vivo.
Faltou-me o ar, e eu estava ofegante. Sentia dor. Tive meus olhos abertos pelo meu orgulho. E foi então que eu vi. Vi a liberdade. E ela sorriu para mim. Fechei os olhos novamente.
Foi como adormecer. Sem dor, sem drama.
Sem sonhos. Sem saídas.
Preso e perdido no meu subconciente.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Olhos de Prata


Toquei sua pele fria. Corri com meus dedos sobre sua face. Repousei meu rosto sobre seu peito. Não ouvi pulsar de coração algum. Deixei que corressem as primeiras lágrimas de meus olhos. Gritei meu pranto engalfinhada no conforto do seu corpo. Mergulhei minhas mãos em seus cabelos e a chuva começava a cair sobre minhas costas. Deixei que minhas lágrimas se dissolvessem na água e fechei teus olhos. Você tinha olhos de prata, não olhos de morte. Quis abri-los novamente. Quis sentir o sangue correndo em tuas veias. Desejei ser beijada. Nas mãos, na face, nos lábios. Quis sentir teu toque.
Meu coração se comprimiu em agonia. Te abraçava em eternos segundos de desespero e uma tempestade de sentimentos molhava nossos corpos.
Olhos nos olhos, mesmo estando fechados. Os seus prateados de morte, os meus marejados de dor.
Vejo teu sorriso de lua minguante nas noites escuras e vejo teus olhos de mar prateado a me observar. Mas não sinto mais seu toque. Não me vejo flutuar em alegria ao sentir tuas mãos nas minhas.
No concreto da calçada deixei que escorresse nas minhas lágrimas os meus sorrisos sinceros.
Sussurrei 'adeus' ao pé do teu ouvido e deixei-te partir com os olhos embaçados de cimento e dor.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Corda-bamba de corpos

As palavras se estiravam como corpos sobre um papel, deixando que o menino caminhasse sobre elas.
Ele distribuía as frases e compunha histórias em uma corda-bamba de pensamentos.
O moleque caminhava sobre uma corda-bamba de corpos em direção ao amanhecer.
Caminhava descalço e sentia seus pés esmagarem cada rosto, cada coração, cada vida. Se equilibrava com os braços.
Cheiro de hálito noturno, suor, dor e morte invadiram sua mente.
O céu prateado o fazia lembrar que se caísse, não só estaria morto como completamente sozinho.
Sozinho.
Isso doía nele muito mais do que qualquer queda e do que qualquer anseio.
Era esse sentimento de abandono que corria em cada veia do seu corpo ossudo.
O céu estava prateado e refletia o brilho triste do sol que pouco nascera.
Sozinho.