quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Valsa dos Vagalumes

Já não se importava com a dor. Já não à sentia. O fogo fazia com que a madeira estalasse de acordo com o pulsar do seu coração. Sorriu ao ver sangrar sem doer, sem sentir, sem querer. Sem pedir, sem avisar. Viu escorrer em escarlate sua alma opaca. Seu coração pulsava dentro de sua cabeça. Sua cabeça pulsava. Tinha a respiração ofegante. O fogo e o vento travavam uma batalha desalmada e desarmada. Era tarde demais para sonhos e ela não queria dormir. Correu com os dedos ossudos as cicatrizes da sua tristeza. Estavam impressas na sua pele como chibatadas que lhe castigavam por não ser o bastante, por não ter o bastante.
Não queria ser salva.
Seus pés adormeceram, suas pernas, sua barriga. Sentia a ponta dos dedos formigarem e a cabeça pesar. Os efeitos da anestesia geral que a sua alma havia tomado começavam a brotar no seu corpo.
As vozes voavam na sua cabeça como vagalumes que dançam em uma noite sem luar.
Os lábios rachados pelo frio molhavam-se com as lágrimas da sua solitária palidez. As lágrimas escorriam pelas valas do seu rosto. Nas rugas esculpidas pela chuva, seu choro se desviava e se destraia. O rio que um dia fora calmo, agora corria caudaloso partindo de seus olhos cansados. Os afluentes do rio se dispersavam pela sua face, mantinham-se perdidos como os vagalumes que dançavam na sua mente.
As lágrimas corriam nos resquícios do que já foram sorrisos, do que já fora dúvida e incerteza.
O corpo adormecido lutava com a sua mente que a tempos estava acordada... E sua alma opaca lutava com a inconstância do seu corpo. Com a ausência de dor, de tristeza.
Na escuridão tumular de uma noite sem luar, escuta-se apenas o grito calado de uma alma que sente latejar o braço que já não tem... que nunca teve. Que dança sem par em uma noite de vagalumes.
Forçou seu corpo a erguer-se. Pois-se de pé sobre suas pernas trêmulas e fez-se andar. Seguiu em passos bambos em direção a lugar nenhum. Seguiu sem rota. Um pé na frente do outro, ensinou-se a caminhar como se nunca o tivesse feito antes.
Não sentia o sangue correr pela suas veias. Continuou caminhando. Subiu o primeiro degrau de uma escadaria. A cada passo que dava o caminho se estendia a sua frente.
Canalizou a incerteza, fez da desistência força e correu embaralhada no seu desespero. Os últimos raios de dia iam embora junto com os degraus que ainda se enfileiravam a sua frente. Agora, visando os últimos obstáculos de uma escada íngreme e circular, suas pernas corriam sem acompanhar seus pensamentos que seguiam o seu tempo próprio.
Fechou os olhos com força por medo de ver a onde chegara.
Ouviu suavemente a primeira batida de seu coração que a tempos não dava sinal de vida. Sentiu suas cicatrizes irem embora como se não pertencessem mais ao seu corpo; e suas lágrimas secarem como se estivessem sendo guardadas para quem as precisasse de fato.
Abriu os olhos; mas nada viu.
E então sentiu.
Depois de tanto tempo, sentiu. E seus lábios secos sorriram porque desejaram e não por ordem da sua mente. E seu corpo cansado e triste dançou. De olhos fechados e alma completa, fez-se dançar e fez-se sorrir. E sentiu tomar cor a alma opaca, e sentiu brilhar dentro de si uma valsa de vagalumes.
E sua alma virou salão e seus vagalumes valsaram sentidos. Não havia de ser felicidade ou tristeza. Para o que ela sentia não havia nome.
Era só o vazio sendo preenchido. Era apenas o sentimento de viver; não de existir.
Ela valsou com os vagalumes da sua alma.

Um comentário:

  1. Simplesmente amei o texto,me identifiquei,você está de parabéns,escreve muito bem.

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