
Não queria ser salva.
Seus pés adormeceram, suas pernas, sua barriga. Sentia a ponta dos dedos formigarem e a cabeça pesar. Os efeitos da anestesia geral que a sua alma havia tomado começavam a brotar no seu corpo.
As vozes voavam na sua cabeça como vagalumes que dançam em uma noite sem luar.
Os lábios rachados pelo frio molhavam-se com as lágrimas da sua solitária palidez. As lágrimas escorriam pelas valas do seu rosto. Nas rugas esculpidas pela chuva, seu choro se desviava e se destraia. O rio que um dia fora calmo, agora corria caudaloso partindo de seus olhos cansados. Os afluentes do rio se dispersavam pela sua face, mantinham-se perdidos como os vagalumes que dançavam na sua mente.
As lágrimas corriam nos resquícios do que já foram sorrisos, do que já fora dúvida e incerteza.
O corpo adormecido lutava com a sua mente que a tempos estava acordada... E sua alma opaca lutava com a inconstância do seu corpo. Com a ausência de dor, de tristeza.
Na escuridão tumular de uma noite sem luar, escuta-se apenas o grito calado de uma alma que sente latejar o braço que já não tem... que nunca teve. Que dança sem par em uma noite de vagalumes.
Forçou seu corpo a erguer-se. Pois-se de pé sobre suas pernas trêmulas e fez-se andar. Seguiu em passos bambos em direção a lugar nenhum. Seguiu sem rota. Um pé na frente do outro, ensinou-se a caminhar como se nunca o tivesse feito antes.
Não sentia o sangue correr pela suas veias. Continuou caminhando. Subiu o primeiro degrau de uma escadaria. A cada passo que dava o caminho se estendia a sua frente.
Canalizou a incerteza, fez da desistência força e correu embaralhada no seu desespero. Os últimos raios de dia iam embora junto com os degraus que ainda se enfileiravam a sua frente. Agora, visando os últimos obstáculos de uma escada íngreme e circular, suas pernas corriam sem acompanhar seus pensamentos que seguiam o seu tempo próprio.
Fechou os olhos com força por medo de ver a onde chegara.
Ouviu suavemente a primeira batida de seu coração que a tempos não dava sinal de vida. Sentiu suas cicatrizes irem embora como se não pertencessem mais ao seu corpo; e suas lágrimas secarem como se estivessem sendo guardadas para quem as precisasse de fato.
Abriu os olhos; mas nada viu.
E então sentiu.
Depois de tanto tempo, sentiu. E seus lábios secos sorriram porque desejaram e não por ordem da sua mente. E seu corpo cansado e triste dançou. De olhos fechados e alma completa, fez-se dançar e fez-se sorrir. E sentiu tomar cor a alma opaca, e sentiu brilhar dentro de si uma valsa de vagalumes.
E sua alma virou salão e seus vagalumes valsaram sentidos. Não havia de ser felicidade ou tristeza. Para o que ela sentia não havia nome.
Era só o vazio sendo preenchido. Era apenas o sentimento de viver; não de existir.
Ela valsou com os vagalumes da sua alma.