Não era bela, não era feliz. Atrevo-me a pensar - e não dizer - que nem mesmo viva ela era.
Em um galho mais comprido que punha-se de lado, e não na vertical como todos os outros, alguém há pares de anos pregou uma balança. O vento, vez que outra, fazia ranger as correntes que sangravam ferrugem sobre o gramado seco.
Ao lado da árvore, havia apenas um banco de madeira gasta e um relógio de ponteiros parados.
E era feio. Não só feio, como morto. E mesmo morto, eu ia até lá todas as tardes quando o Sol baixava. Se não, ia antes dele nascer. Ia lá porque lá não tem gente, não tem cheiro, não tem cor. Ia lá porque ficar lá me matava e me enxia de vida em uma estada só.
Eu gostava de lá, porque lá não tinha barulho de cidade, nem de carro, nem de rio. Só vez que outra as correntes rangiam para me ver chorar mais um pouco... Para sugar o néctar que minha alma tão nova - ainda que triste - guardava, e viver mais um pouco a árvore e matar mais um pouco a mim.
E eu ia lá todos os dias. Ia porque eu era escrava da árvore. Dos ponteiros quebrados que não me apressavam. Eu ia lá porque eu dependia do ranger das correntes daquela balança.
E a árvore estava sempre lá para mim. A árvore, o banco, o relógio que não apressa. Estavam lá para mim porque eles precisavam do néctar jovem da minha alma.
E a gente sobrevivia em um acordo que nunca havia sido tratado - em partes porque a árvore não falava, mas muito mais porque eu não falava.
Eu não me atrevia. Não dizia e nem nunca disse nada por lá. É que era tão belo, mesmo sendo tão feio. Tão... tão "não". Não Sol, não som, não ser.
E nunca mudou. Nunca havia mudado.
O dia não havia nascido. O ar estava carregado de brisa e a árvore me esperava cheia de vazio.
Meu corpo doía. Mas doía de dor boa. Doía da dor que a árvore se alimentava.
Mas eu não ia à árvore em busca de sobrevivência.
Me aproximei como nunca havia antes. Toquei sua madeira corroída com a ponta dos dedos. Ela sugou de meu corpo a seiva que me restava.
Fui até a balança e me sentei. A tábua que servia-me de assento envergou. Fiz dos meus pés impulsão e as correntes apertaram minha alma em um ruído incessante.
Quanto mais alto me balançava, mais apertadas as correntes prendiam meus pensamentos; mas a brisa... Ah, a brisa me libertava. E como podia? Me prender e me libertar em um mesmo movimento...
E suave ficaram os movimentos da balança. Ritmados. Mais lentos, mais lentos... Até que pararam. E em angustia se comprimiu meu corpo.
Voltei-me novamente a árvore.
Eu custava a andar agora.
Parece mais difícil de caminhar quando se está com o mundo todo sobre as costas...
Mas eu voltei a árvore pois não me restava alternativa outra que não esta. Ela e eu já éramos, naquele momento, duas partes de um mesmo corpo.
Envolvi o tronco mirrado com os braços e deixei que ele levasse de mim tudo o que lhe fosse necessário. Doei-lhe tudo que restava no meu corpo... A árvore merecia viver, mesmo que que abastecida com a bebida surte que corria em minhas veias.
Caí em joelhos.
Meus braços, agora pálidos e vazios, se aproximaram das raízes velhas.
Dois corpos secos e abandonados desfaleciam sobre a grama.
E as raízes envolveram meu corpo, fazendo de sua madeira rija meu berço por uma última vez.
Nossos corpos dependiam um do outro e se completavam; se alimentavam com a seiva que nos restava.
Mirando agora o céu; eu entendi sobre o que tudo se tratava.
Era um cacho de sonhos que nascia no galho mais alto de uma árvore solitária.
Era um cacho de sonhos, ali, exposto e aberto para quem quisesse provar um fruto.
Mas um fruto não haveria de bastar jamais...
Quem tomasse a decisão de provar um fruto do cacho de sonhos faria um pacto de sangue com a ferrugem da balança, e se comprometeria de uma vez por todas a passar o resto dos seus dias assim: vivendo um pouco a árvore e matando um pouco a si.
Mas lhe renderia um cacho de sonhos quando seus olhos se fechassem por uma última vez...
Um cacho de sonhos.